Os ensinamentos do arroz
- LIEQ
- 12 de out. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de out. de 2020
Aparentemente, dizer que a inflação acumulada em 2020 está em 1,34% (abaixo do piso da meta de 2,5%) não parece alarmante. Entretanto, ao olharmos para produtos específicos, vemos que a inflação “sentida” pelo orçamento familiar está muito diferente daquela indicada pelos índices. Para entendermos porque isso ocorre, devemos primeiro entender como o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), principal índice utilizado para medir a inflação, funciona.
Entendendo o IPCA
O objetivo do IPCA é indicar qual a inflação que atingiu 90% das famílias que vivem em áreas urbanas cobertas pela pesquisa. Para tal, são coletados, pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), dados sobre que tipo de itens as famílias estão consumindo e em que proporção para criar uma “cesta de produtos”. Assim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compara os preços do mês pesquisado com o anterior, gerando a taxa de inflação daquele mês.
Visando demonstrar uma realidade mais próxima do brasileiro médio, a pesquisa abrange 10 regiões metropolitanas, além de 5 municípios e o Distrito Federal, cada um com seu respectivo peso no cálculo final. Por causa de sua grande concentração de população e de renda, o Sudeste acaba representando mais de 50% do índice, já que São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro são, respectivamente, as maiores composições do IPCA.
Por que o IPCA esteve relativamente baixo?
Como o IPCA trata de uma cesta “fixa”, com algumas mudanças no hábito do consumidor devido ao atípico ano de 2020, essa “cesta de produtos” ficou diferente do que as famílias de fato consumiram. Apesar das altas significativas dos preços dos alimentos, a deflação nos setores de serviços, vestuário, passagens aéreas e saúde acabaram puxando o índice para patamares relativamente baixos.
Assim, enquanto houve um aumento da demanda por alimentos (a ser abordado mais à frente), poucas pessoas compraram roupas ou viajaram de avião, por exemplo. Vale ressaltar também que, de acordo com Mankiw, economista americano, como o índice não muda sua composição toda hora, no curto prazo ele pode acabar não refletindo a realidade, pois ignora a tendência à substituição, isto é, ato de consumir menos aquilo que subiu e mais aquilo que caiu, deixando o índice defasado.
INPC versus IPCA
Enquanto o IPCA avalia a inflação para vários níveis de renda, indo de 1 a 40 salários mínimos, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) é restrito aos níveis de renda de quem ganha entre 1 e 5 salários mínimos. A razão de ser desse índice é avaliar como a inflação se comporta para 50% das famílias brasileiras cuja pessoa de referência é assalariada e pertencente às áreas urbanas cobertas pela pesquisa.
Como o segundo índice foca nas famílias de renda mais baixa, é de se esperar que esse índice seja mais sensível a itens básicos, como transporte e alimentação. Isso é justamente o que aconteceu em 2020, já que o INPC subiu 2,04% contra apenas 1,34% do IPCA, demonstrando um pouco de como a alta dos alimentos em específico atingiu com maior força a população mais vulnerável. O Gráfico 1 demonstra como esses gastos em produtos básicos são grande parte do orçamento familiar do brasileiro médio.
Gráfico 1:Distribuição da despesa de consumo monetária e não monetária média mensal familiar, por tipos de despesa de consumo, segundo a situação do domicílio e as Grandes Regiões - período 2017-2018. Adaptado do IBGE.

Corroborando para o impacto dos alimentos no orçamento da população mais pobre, há ainda um índice chamado IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor Classe 1), que acumula 3,13% no ano. Vale ressaltar que, como esse índice é calculado pela FGV e não pelo IBGE como os outros dois, talvez esses índices não sejam exatamente comparáveis, embora tentem calcular a inflação do mesmo jeito.
Mas afinal, por que houve uma inflação tão grande no arroz recentemente?
Entre os alimentos que sofreram mais inflação, o arroz acabou ficando em evidência, tanto por ser um dos que mais subiram (40,69% em 2020) quanto por ser muito forte na cultura do brasileiro, o que o torna mais difícil de substituir. Entre as razões para tal, sobressaem-se a alta do dólar e o aumento da demanda interna.
O fato da moeda americana estar com uma alta de quase 40% neste ano contribui para esse efeito, uma vez que torna-se mais rentável ao produtor exportar seus produtos. Dessa forma, houve um aumento de 260% das exportações do grão. Diante de uma menor oferta interna, as empresas têm de aumentar o valor que pagam ao produtor de arroz e repassar esse preço ao consumidor final. Além do aumento da exportação, ainda há a diminuição da importação, de 55%, explicada pela alta do dólar. Vale ressaltar que a moeda brasileira foi a que pior performou em 2020 em relação ao dólar devido aos riscos fiscais que nosso país apresenta.
Outro fator contribuinte para essa situação foi o aumento da demanda interna pelo arroz. Com a pandemia, mais pessoas ficaram em casa e passaram a preparar sua própria alimentação, buscando alimentos de fácil preparo, como o arroz. Além disso, com o lançamento do auxílio emergencial, o orçamento familiar ganhou “fôlego” em curto espaço de tempo e passou a contar com uma participação maior de produtos básicos, provocando um choque de demanda. Assim, o preço dos alimentos acabou sofrendo concomitantemente com uma alta demanda e uma baixa oferta.
O que fazer diante desse cenário?
De fato, para uma parcela muito grande da população, o orçamento acaba ficando muito engessado, já que boa parte dele é gasto com produtos de alta necessidade. Porém, há sempre o que podemos fazer para mitigar esse tipo de efeito, como sempre fazer pesquisas de preços antes de ir às compras ou tentar ao máximo se ater a uma lista de produtos que você de fato necessita. Ademais, vale aproveitar o momento para explorar outros alimentos que sejam equivalentes ao arroz, embora não tão queridos pelo brasileiro, como a batata doce, o inhame e o aipim. Por fim, ressaltamos a importância do planejamento de uma reserva de emergência para situações de imprevisibilidade como essa. Caso tenha se interessado pelo assunto e queira se aprofundar nele e em outros tópicos que abrangem a gestão de finanças como um todo, leia o nosso e-book de finanças pessoais gratuito
No mais, bons investimentos e até a próxima.
Artigo por: Aaron Howowitz
Revisado por: Rodrigo Monroe e Guilherme Augusto
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
AVARENGA, D.; SILVEIRA, D. Inflação acelera para 0,64% em setembro, maior alta para o mês desde 2003. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/09/inflacao-acelera-para-064percent-em-setembro-diz-ibge.ghtml>. Acesso em: 10 out. 2020.
G1. Inflação dos mais pobres acelera a 0,89% em setembro com salto de 10,64% do arroz e feijão. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/06/inflacao-para-familias-de-baixa-renda-acelera-a-089percent-em-setembro.ghtml>. Acesso em: 10 out. 2020.
INFOMONEY. O que é IPCA e como a inflação impacta no seu bolsoInfoMoney, [s.d.]. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/guias/ipca/>. Acesso em: 10 out. 2020
MANKIW, N. G. Introdução À Economia. Tradução Da 8a Edição Norte-Americana ed. [s.l.] Cengage Learning, 2019.
NAIME, L. IPCA-15: prévia da inflação oficial sobe a 0,45% e tem maior taxa para setembro desde 2012. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/23/ipca-15-previa-da-inflacao-oficial-fica-em-045percent-em-setembro.ghtml>. Acesso em: 10 out. 2020.
REDAÇÃO NUBANK. Por que o arroz subiu mais que a inflação? Entenda a alta dos preços. Disponível em: <https://blog.nubank.com.br/arroz-subiu-mais-que-a-inflacao-entenda-a-alta-dos-precos/>. Acesso em: 10 out. 2020.
TOLOTTI, R. Dólar sobe 2,5% em setembro e real se firma como pior moeda do mundo em 2020; veja ranking. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/mercados/dolar-sobe-25-em-setembro-e-real-se-firma-como-pior-moeda-do-mundo-em-2020-veja-ranking/>. Acesso em: 10 out. 2020.
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